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Política virtual, política real
O problema é que não há nenhuma indicação de que o que diz o FMI não seja o que Passos Coelho e o seu grupo pensam. Bem pelo contrário
Política virtual, política real
O que é que, segundo o FMI, falta fazer para que o "ajustamento" português seja o "sucesso" absoluto, mesmo que, no fim de contas nenhum dos grandes números, défice e dívida, tenha mudado de forma sustentável, ou não se tenha agravado? Mais do mesmo, dito de modo tecnocrático, que "as ineficiências remanescentes no mercado de trabalho [não possam] aumentar o risco de uma retoma com pouca criação de emprego, à medida que a economia ganha velocidade", ou seja em português corrente, facilitar os despedimentos.
Mais ainda: precisamos de baixar mais os salários, garantindo "uma subida substancial na proporção de trabalhadores com reduções dos salários". Precisamos ir mais longe nas "mudanças no código do trabalho feitas através da aplicação do programa", de modo a facilitar os despedimentos individuais, demasiados difíceis para a vontade do FMI. Ao mesmo tempo, deve acelerar-se o fim dos acordos colectivos de trabalho, que, saliente-se, são acordados entre trabalhadores e entidades patronais, para que um novo ciclo de negociações seja "mais condizente com a situação da economia", ou seja, haja menores salários.
E depois, a cereja em cima do bolo, mais uma vez se defende a redução das indemnizações por "despedimentos ilegais", de modo a aproximarem-se das dos despedimentos legais. Reparem nesta coisa muito interessante desta proposta, o objectivo é que a violação da lei possa ficar mais barata. Isto é que é um estado de direito! Pensava eu que quem despedia "ilegalmente" não podia, uma vez verificada a ilegalidade, despedir. Mas não, é uma questão de preço: é apenas mais caro despedir "ilegalmente", o que revolta o FMI. Dito de outro modo, podes cometer um crime, pagas é só um pouco mais por isso. Isto não é economia, é "luta de classes". Depois queixem-se.
O problema é que não há nenhuma indicação de que o que diz o FMI não seja o que Passos Coelho e o seu grupo pensam. Bem pelo contrário. Esta é que é a política real. O resto é virtual. •
O preço de falar alto sem ter um pau para bater
É o preço que a União Europeia paga por pretender ter uma política externa, muitas vezes agressiva e aventureira, e depois, quando as coisas começam a aquecer, fica reduzida à sua inexistência militar. E claro que quando as coisas efectivamente aquecem, como se passa hoje na Ucrânia e se passou no
passado na Jugoslávia, lá vêm os americanos, uma potência militar credível, tentar pôr na ordem as complicações que os europeus criam. A questão da Ucrânia chegou aqui porque os europeus e os americanos foram irresponsáveis e atiçaram um conflito para que não tinham saída viável, e porque Putin é perigoso e não é de agora. Com o silêncio conveniente dos europeus, Putin ascendeu ao poder provocando uma segunda guerra na Chechénia para "vingar" a derrota da primeira, e no caminho violou todas as regras dos direitos humanos. A Europa fez de conta que não era com ela, como o fez na Geórgia, ou porque os separatistas chechenos eram um terreno para a Al-Qaeda, ou porque a Geórgia não valia o incómodo. Mas a Ucrânia é outra coisa. É demasiado importante, quer para os russos, quer para os vizinhos da Rússia, aqueles para quem vale mais ter melhor geografia do que uma "gloriosa história". Infelizmente não têm, estão condenados à "gloriosa história".
E depois há o peso da História, ou melhor a sua leveza, que as opiniões públicas cada vez mais débeis na Europa permitem institucionalizar em governações que acabam por ser aventureiras e proclamatórias e depois são inconsequentes. Até ao momento em que a coisa começa a doer. Era tão bonito ver as barricadas de Kiev, a luta pela "liberdade" em Kiev, e ignorar que o governo resultante dessas barricadas não seria aceite pela parte leste do país. Os russos deitam gasolina no fogo, mas o fogo está lá antes da gasolina.
Na Segunda Guerra Mundial, a Ucrânia pagou caríssimo esse fogo como já tinha pago no período breve de independência, na sequência da primeira guerra, seguida da vitória dos bolcheviques que obrigaram a Ucrânia a assinar o Tratado da União, que deu origem à URSS e depois varreram o campesinato "rico", a intelligentsia e a Igreja com métodos terroristas, da fome às execuções em massa.
O nacionalismo ucraniano, um dos mais radicais na História já de si excessiva do nacionalismo europeu, foi a componente do lado "perdido" da história de que ninguém quis saber até ao dia em que apareceu vitorioso nas barricadas de Kiev. E o país voltou a ser dois, como tinha sido durante a guerra, um lado que tinha estátuas de Stepan Bandera e outro que mantinha as de Lenine. E os ucranianos sabem demais da sua própria história, da guerrilha antialemã na Segunda Guerra Mundial, que provocou retaliações violentas nas aldeias ucranianas, ao papel da "polícia ucraniana" uma das que mais cruéis polícias colaboracionistas que fizeram o trabalho sujo para os alemães, como aconteceu também nos países bálticos. E, quando olhamos para o mapa da URSS, percebe-se bem que o peso duríssimo da invasão e ocupação alemã em profundidade, foi... na Ucrânia.
Americanos poderosos, europeus impotentes e russos ambiciosos estão de novo a medir forças no território mártir da Ucrânia. É demasiado perigoso, até porque alguém vai ficar a perder. Além dos ucranianos, claro. •
Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré provérbio popular
SÁBADO 24-04-2014
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