Vandoma e outras feiras
É um erro querer levar a Vandoma para Campanhã
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Os ferros-velhos quando funcionavam na Rua de Cândido dos Reis |
Leio nas páginas do JN que a Câmara Municipal do Porto quer transferir a Feira de Vandoma, das Fontainhas para a Alameda de Cartes, junto ao bairro do Cerco do Porto, em Campanhã. O pretexto para a mudança é... o de uma outra mudança: levar para as Fontainhas a Feira dos Passarinhos, que agora se faz na Cordoaria. Que a Feira dos Passarinhos não está bem na Cordoaria é verdade. Mas tirar a Feira de Vandoma das Fontainhas não é a melhor solução. Já voltamos aqui.
Antes disso, gostava de lembrar que no Porto os mercados públicos tiveram sempre grandes tradições, fossem eles de artigos de consumo corrente ou de velharias.
Em 1822, por exemplo, vendia-se queijo e carne de porco no Largo dos Lóios; na atual Praça da Liberdade fazia-se um mercado de pão e de doces; à entrada da Rua do Souto, onde agora passa a Rua de Mouzinho da Silveira, montavam banca as vendedeiras de galinhas e de teias de pano de linho; e no antigo Largo do Correio, agora Rua de Cândido dos Reis, vendiam-se flores e fazia-se o mercado dos ferros-velhos.
A história do mercado dos ferros-velhos, que podemos considerar como antecessor da atual Feira de Vandoma, começou em 1839. No relatório da Câmara do Porto desse ano, lê-se o seguinte:"(...) vendo que uma cidade como a nossa, a segunda capital do reino, e primeira das provindas do Norte, não tem, como a de Lisboa, um sítio para os vendedores ambulantes exporem e venderem os objetos que não são novos, mas velhos e usados, resolveu destinar para esse fim todo o local junto ao Postigo do Sol, fronteiro ao muro da cidade e sobranceiro aos Guindais, dando-lhe o título de Feira da Ladra (...)".
Aqui está: o primeiro mercado de velharias começou ao cimo das escadas dos Guindais, junto da Muralha Fernandina, e chamava-se Feira da Ladra, como o de Lisboa. Esta pecha de os nossos antepassados quererem imitar a capital...
Atenção: aquele nome de "Ladra" não tem nada a ver com o feminino de ladrão. Tem a ver, sim, com a palavra "lázaro" ou "ladro", que têm o significado de "lazarento", ou "miserável". Ainda hoje, quando associamos miséria a imundície, dizemos "lazeira". E as feiras da ladra, em alguns casos, eram estendais de miséria.
A partir daquela determinação, seria na Feira da Ladra que se venderiam móveis velhos, roupas usadas, de homem e de mulher; chapéus, rodas de carros de bois, calçado, fotografias, tudo, enfim, que já não tivesse préstimo em casa.
A feira junto aos Guindais deve ter durado muito pouco tempo, porque, ainda em 1839, já no fim do ano, ela se realiza no tal Largo do Correio, onde já havia um antigo "lugar das adeleiras ou seja das mulheres que vendiam artigos usados.
Havia quem fosse aos Ferros-velhos vender o casaco ou a saia, para comprar pão
No bairro das Carmelitas, que era onde ficava o tal Largo do Correio e onde depois se abriu a Rua de Cândido dos Reis, a Feira da Ladra, ou dos Ferros-Velhos, como popularmente era conhecida, funcionou até 1901, ano em que foi definitivamente extinta.
Definitivamente, não. Porque ressurgiu, já nos nossos dias, junto à Sé, na calçada de Vandoma, de que tomou o nome. Não tardou a crescer. Estendeu-se pelo terreiro da Sé e, mais tarde, alongou-se até à Rua de D. Hugo. E como não parasse de crescer, mudou-se para as Fontainhas. E era aqui que eu queria chegar.
Houve, em tempos, da parte da Câmara do Porto, um projeto que visava transformar o antigo passeio das Fontainhas numa espécie de grande sala de exposições para artigos de arte, mas nos seus aspetos mais diversos, que incluíam o erudito e o artesanal. Nesse espaço caberiam também feiras e mercados, onde a Vandoma se inseria perfeitamente. A ideia era transformar as Fontainhas numa espécie de Montmartre cá do sítio.
O projeto, se a memória me não falha, comportava, inclusivamente, o aproveitamento das ruínas de antigas fábricas de louça, que ficam abaixo da alameda, transformando-as em pequenas oficinas e em estúdios de pintura. Havia mais: pensava-se na construção de um amplo restaurante com soberbas vistas sobre o rio Douro. Era um projeto ambicioso, concordo. Estendia-se até à margem do rio Douro e abrangia toda a zona da calçada da Corticeira, onde ainda está, em ruínas, a capela do Senhor do Carvalhinho, que fez parte da fábrica deste nome que por ali funcionou.
O escultor José Rodrigues chegou a apresentar excelentes planos para a montagem de escolas de ceramistas nas ruínas das velhas fábricas. Então, este projeto não é exequível ?
A Feira de Vandoma já é, hoje, uma atração turística. Não a destruam. E, já agora, por que não incluir no tal projeto um funicular na calçada da Corticeira? Seria ouro sobre azul. •
A história do Senhor do Carvalhinho
A capela do Senhor do Carvalhinho (foto) fazia parte da brévia (casa de repouso) que os jesuítas tinham na quinta da Fraga, na encosta das Fontainhas. Com a expulsão do pais, em 1759, dos padres da Companhia de Jesus, a brévia foi comprada por Tomás Nunes da Cunha e António Monteiro Catarino, que nela montaram, em 1821, a fábrica de cerâmica do Carvalhinho. Anos mais tarde, esta fábrica foi transferida para Vila Nova de Gaia. A capela tinha um belo altar de talha dourada. Ficou votada ao mais confrangedor abandono e hoje dela restam somente as paredes.
JORNAL DE NOTÍCIAS 10 MAIO 2015
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