As barreiras que vêm referenciadas no título da crónica, não são aqueles espaços que, nos tempos passados, se encontravam nos limites da cidade e serviam para a Câmara Municipal cobrar um imposto sobre as mercadorias que por ali transitavam. Nada disso.
Os campos das barreiras de que nos vamos ocupar, também conhecidos (e já vamos explicar porquê) como campos dos besteiros, eram espaços onde o povo costumava ir divertir-se e treinar (cá está a explicação) com as bestas, antiga arma de guerra portátil utilizada para o arremesso de virotes.
Sabe-se, com efeito, que nas grandes cidades dos tempos medievais existiam espaços ao ar livre, relativamente amplos, onde a população ia para se divertir, fazendo piqueniques; organizando corridas; ou jogando a pela, que era uma espécie de futebol antigo.
Ainda relativamente ao que se passava no Porto, podemos adiantar que numa inquirição mandada fazer por D. Manuel I em 1498, aos bens de uma confraria que existia na Bainharia, vem descrita a existência de um campo "que está acima das hortas (do mosteiro) de S. Domingos e que, no meio dele existe outro campo grande onde vão folgar os confrades e oficiais da dita confraria, com seus filhos e suas mulheres".
Esses costumes vigoraram, praticamente, até aos meados do século XIX. Ainda por essa altura, os ingleses do Porto, todos os anos, no domingo a seguir à Pascoela, depois de terem assistido ao culto na capela de St. James, no Campo Pequeno, atual Largo da Maternidade de Júlio Dinis, desciam até aos terrenos do Campo da Torre da Marca, onde agora está o Palácio de Cristal, e jogavam ali a pela, divertimento que, atrás se diz, antecedeu a prática do futebol.
Aqui, no Porto, o campo das barreiras situava-se na encosta sobranceira à Rua das Flores, ou seja, sensivelmente por onde corre, nos dias de hoje, a Rua da Vitória.
Num documento do Censual da Mitra, do século XVI, dá-se, efetivamente, o nome de "barreiras" à encosta que fica da parte de trás das casas da Rua de Santa Catarina das Flores.
Da leitura de outro documento em que o bispo D. Frei Baltasar Limpo, no ano de 1542, procura identificar, na Rua das Flores, as casas foreiras à Mitra, ficamos a saber que as barreiras eram o suporte dos quintais das casas da Rua de S. Miguel. Naquele tempo, o nome de S. Miguel era dado à atual Rua de S. Bento da Vitória.
Neste mesmo documento, são referidos vários "trilhos" e caminhos que eram outras tantas vias circundantes da época naquela zona e outros cujo traçado viria a servir para a abertura de ruas que chegaram até aos nossos dias. Como, por exemplo, o caminho que ia de S. Domingos aos Pelames, que veio a dar a Rua da Biquinha, que desapareceu com a abertura da Rua de Mouzinho da Silveira; o caminho de S. Domingos para a Rua do Souto, que deu a Rua das Flores; o caminho da Rua da Bainharia para a porta do Olival, rua hoje conhecida pelo nome de Rua da Ponte Nova, que tinha continuidade na antiga Viela do Ferraz.
Aquela Viela do Ferraz é a artéria que depois tomou o nome de travessa e é atualmente a Rua do Ferraz, nome que, segundo parece, anda ligado a Afonso Ferraz, chantre da Sé no tempo em que a diocese era administrada (1582/1591) pelo bispo D. Frei Marcos de Lisboa.
No documento do Censual, atrás citado, a atual Rua do Ferraz é assim descrita: "travessa que vai da dita rua (das Flores) para cima dar à travessa que vai para a rua dos Ferreiros". Ora, a travessa que vai para os Ferreiros (leia-se Caldeireiros) é a hoje nossa conhecida Rua da Vitória.
Duas palavras mais acerca das fachadas de duas capelas que persistem na Rua do Ferraz. Uma do lado direito, sensivelmente a meio da rua, para quem sobe; e a outra do lado esquerdo, logo à entrada.
A primeira fazia parte da nobre casa de Gaspar Ferraz, da família do Afonso, atrás mencionado, também conhecida por Casa dos Sousas e Silvas, por causa do brasão das famílias destes apelidos que figura na fachada voltada para a Rua das Flores.
A capela que ficava à esquerda pertencia ao prédio da Companhia Velha, assim designado por ter estado nele a sede da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro.
Até 1747, a casa da Companhia Velha fora a residência da opulenta e influente família portuense dos Figueiroas. Com efeito, neste ano, vivia nela João de Figueiroa Pinto, fidalgo da casa real e contador da Fazenda, com a sua mulher, D. Antónia Joana de Azevedo e Albuquerque.
O nome de Figueiroa aparece na toponímia portuense na Travessa da Figueiroa. Tratou-se, compreensivelmente, de uma homenagem a esta família do Porto que também esteve ligada à antiga quinta de Santo Ovídio ou da Boavista, mas que também se denominou quinta da Figueiroa. A atual travessa era um dos limites dessa quinta, que foi uma das mais belas propriedades do Porto do século XIX. Os seus proprietários abriam os jardins da casa à população da cidade aos domingos e dias santificados.
História da Companhia Velha
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