Ficamos a saber, através da leitura desse documento, qual uma tal Isabel Leitoa diz que deixa "um censo [uma espécie de renda] para missas em uma morada de casas na rua das Congostas, da parte do rio da Vila, na esquina da viela de S. Salvador, da parte de cima".
Aquela viela (hoje pátio) de S. Salvador, tomou o nome de um hospital e capela da invocação do Senhor S. Salvador do Mundo, instituídos, não sabemos bem quando, mas, muito provavelmente, no século XIV, por Martin Domingues de Barcelos, "cidadão honrado do Porto" que, ao hospital e capela, doou vários bens de que era possuidor, para "sustento do primeiro" e "zelo no que ao culto (na capela) diz respeito", com a obrigação de serem rezadas missas por sua alma e de "no dito hospital se albergarem pobres".
É bem interessante o estudo de certos quarteirões antigos do Porto, através da leitura de documentos existentes nos nossos arquivos. Como é, por exemplo, o caso da zona onde, no século XIII, se implantaram os mosteiros das ordens mendicantes de S. Domingos e S. Francisco.
A atual Praça do Infante D. Henrique foi construída em terrenos que antigamente pertenciam às cercas daqueles dois mosteiros. Foi a construção da praça e a abertura da Rua de Mouzinho da Silveira que originaram o desaparecimento da Rua das Congostas, que ocupava, sensivelmente, o espaço por onde hoje corre a Rua de Sousa Viterbo.
No século XIV, a Rua das Congostas já concorria com a velhíssima Rua dos Mercadores, no que diz respeito ao escoamento do intenso tráfego fluvial proveniente do cais da Ribeira, então a mais importante área portuária do velho burgo mercantil.
Com aquela mudança, digamos assim, estava-se a mudar, para as Congostas, propriedade da Coroa - que é como quem diz, do rei - a estratégia mercantil e económica da antiga cidade episcopal, alcandorada no cimo do morro da Penaventosa, onde se erguia a Sé e o palácio do bispo, sede do poder religioso que, então, ainda administrava o burgo.
Poucos anos depois, em 1391, andavam a fazer, nas Congostas, "duas estalagens, grandes e boas", porque o intenso movimento de gente assim o justificava.
Através da leitura, parcial, claro, de documentos existentes nos nossos arquivos, incluídos nos fundos monásticos daqueles dois antigos conventos da cidade, vamos tentar reconstruir alguns locais emblemáticos da zona envolvente do atual Largo de S. Domingos.
Na rua defronte do convento (o atual Largo de S. Domingos) são "aforadas (alugadas) umas casas da parte de Belomonte que partem com o caminho que sobe para a rua de S. Miguel, contra o chafariz". Este chafariz era o de S. Domingos (ver caixa ao lado) e o caminho que sobe para S. Miguel é a serventia que antecedeu a Rua de Belomonte.
Note o leitor que as notícias em causa são anteriores à reforma urbanística com que os Almadas renovaram por completo alguns trechos da cidade antiga, como foi o caso da zona de S. Domingos e da Ribeira.
Na Rua da Ponte de S. Domingos, lê-se num documento dê 1514, "fez este convento (o de S. Domingos) o aforamento de um chão (parcela de terreno) para a construção de várias moradas de casas".
Havia naquele tempo a Rua da Ponte de S. Domingos que seguia para a Bainharia, "junto aonde ficava o Hospital de S. Crispim e S. Crispiniano", da influente confraria dos sapateiros.
Em 1470, a Câmara procurou urbanizar o sitio da "pedreira de Belomonte", que era por onde corria aquele caminho, atrás referido, "que sobe para S. Miguel" e dos trabalhos encarregaram-se os religiosos de S. Domingos, em troco de poderem aforar os terrenos marginais para a construção de casas. Bom proveito devem ter tirado os dominicanos da empreitada.
Voltamos à Rua das Congostas. Nela, "na parte do convento, aforaram-se vários chãos, junto à parede da sacristia, aonde depois se construíram trinta e duas moradas de casas". Os frades de S. Domingos estavam a revelar-se extraordinários empreendedores urbanísticos. O que foi verdade.
Ainda na Rua das Congostas, da parte do rio da Vila, João Afonso Coelho, cavaleiro, por testamento de outubro de 1452, legou ao convento "as suas casas todas das Congostas que tomavam e passavam a ponte que se chama de S. Domingos e que de trás estão em frente do Hospital de Santa Clara".
Informa-se, a título de curiosidade, que, ali perto do sítio onde esteve o mosteiro dos dominicanos, existem vestígios da aludida ponte de S. Domingos, "que atravessava o rio da Vila até ao hospital de S. Crispim, no interior do túnel granítico por ainda hoje o rio continua a correr, mas fora dos olhares dos portuenses.
Esperamos que se concretize, muito em breve, o projeto que prevê a abertura do túnel do rio da Vila aos turistas, que é como quem diz, ao público em geral. •
A história do chafariz de S. Domingos
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